Sócia sênior da Crescera Capital defende que companhias do setor
financeiro adotem iniciativas específicas para reter talentos femininos
Desde 2008, quando começou a atuar no mercado, a
Crescera Capital fez investimentos em mais de 70 empresas. O foco inicial foi
em educação, mas ao longo dos anos a gestora que teve o atual ministro da
Economia, Paulo Guedes, como sócio fundador, expandiu o escopo de investimentos
para outras áreas, como saúde, varejo, consumo, serviços, e inovação e
tecnologia. Em comum a todas às investidas está o estímulo de políticas que
garantam a igualdade entre homens e mulheres. "Se conseguirmos colocar essa
sementinha em todas elas (investidas), começamos a ter uma abrangência maior do
ponto de vista do impacto de equidade de gênero na força de trabalho
brasileira", diz Priscila Rodrigues, sócia sênior, em entrevista à
ABVCAP.
Ao lado de Jaime Cardoso e Daniel Borghi, ela é uma das
poucas "key person" (pessoa chave) -- nível anteriormente
denominado de "key man" de fundos de private equity no Brasil. Em
paralelo ao trabalho como executiva, Priscila atua como mentora aplicada ao
mercado financeiro para tentar reter mulheres na indústria. Segundo ela, o
primeiro passo é fazer com que companhias, incluindo gestoras, percebam o valor
agregado que a diversidade de gênero potencialmente traz. Em seguida, é preciso
garantir condições flexíveis para que elas não tenham de optar entre a vida
profissional e pessoal, que muitas vezes envolve tarefas domésticas como o
cuidado de filhos e dos pais.
"É preciso que as empresas tenham mobilidade e deem condições
para que as mulheres possam fazer o seu balanço de vida, entre o pessoal e
profissional, sem que tenham que abrir mão de planos, como uma eventual
maternidade", defende. Entre as medidas já adotadas por algumas
instituições financeiras, menciona um sistema de creche, programas de
mentorias liderados por representantes femininas e iniciativas para reabsorver
mulheres na força de trabalho. "Isso já tornaria a indústria bem mais
aberta", diz. Entre os entraves de ordem cultural, cita a falta de
representatividade, a demanda por uma agenda de tempo integral e a falta de
equiparação salarial. Confira trechos da entrevista.
Qual o lugar das
mulheres nas indústrias de Private Equity e Venture Capital no Brasil?
Existem poucas, assim o como no mercado financeiro
como um todo. Private Equity (PE) e Venture Capital (VC) não fogem à regra, com
uma situação ainda mais drástica em posições mais altas. Há 22 anos, quando
comecei no setor financeiro, era pior. Temos visto na parte de analistas e
associadas um interesse crescente por parte de mulheres. Vejo uma melhora,
mas a presença feminina ainda é complemente subrepresentada. Poucas delas
acabam permanecendo na indústria.
De que forma a pandemia agrava
esse quadro desigual para as mulheres?
A pandemia presta um desserviço, e não só no setor
financeiro, mas na força de trabalho feminina como um todo. Em diversos grupos
de mulheres que participo, o que se comenta é que muitas colegas acabam
deixando o mercado para ajudar com tarefas domésticas, cuidado dos filhos,
no home schooling, no cuidado dos pais, entre outras atividades. Os lockdowns tornaram
ainda mais desafiador esse equilíbrio de atribuições profissionais com o
desafios familiares dentro de casa. E quando temos uma crise, como a
atual, essas tarefas domésticas demandam ainda mais atenção.
Quais os gatilhos estruturais
específicos do mercado financeiro que dificultam que as mulheres
permaneçam?
Trata-se de um mercado, historicamente e
predominantemente, masculino. Durante muito tempo não se viu com o olhar
correto o eventual impacto da diversidade -- de ter mulheres, ou pessoas com
distintos perfis e backgrounds. O
"mais do mesmo" era o que vencia. E com pouca referência de mulheres em posições de liderança, a motivação das mais novas em seguir a mesma trilha fica
comprometida. Outro ponto, é que o trabalho em PE e VC demanda longas horas,
viagens constantes, enfim, uma disponibilidade de agenda a qualquer momento.
Isso é um desafio para muitas mulheres, sobretudo para aquelas que buscam o
equilíbrio com a vida pessoal em paralelo, eventualmente com filhos. Também
temos de enfrentar o dilema da equidade salarial, pois muitas se sentem
desestimuladas a ter uma sobrecarga de trabalho e ganhar menos. É uma
indústria rigorosa e demandante. E em algumas situações é preciso ser
dura, mais firme, para ser levada a sério, e tem gente que se incomoda em ter
de adotar essa postura. São entraves mais de ordem cultural do que de formação.
Há muitas mulheres capacitadas no mercado financeiro e nas escolas de negócio
do Brasil e do mundo.
De que forma esse cenário pode
mudar, também pensando em ações práticas?
Com o aumento da necessidade ou consciência sobre o
valor da diversidade, a tendência é que se abram mais oportunidades para que
mulheres cresçam no mercado financeiro. Isso vale para as indústrias de PE e
VC. Só que não é algo automático. Primeiro, deve-se criar a conscientização de
que diversidade traz valor agregado até abrir as próprias empresas para dar
acesso a elas, inclusive em postos de liderança. É preciso que as empresas tenham
mobilidade e deem condições para que as mulheres possam fazer o seu balanço de
vida, entre o pessoal e profissional, sem que tenham que abrir mão de
planos, como uma eventual maternidade. Isso já tornaria a indústria bem mais
aberta. Hoje algumas medidas já são pré-requisito em grandes bancos, e algumas
gestoras vêm se adaptando, a ações como sistema de creche ou apoio aos
primeiros anos de maternidade, programas de mentorias liderados por mulheres,
reabsorção de mulheres na força de trabalho, entre outras iniciativas.
Como isso é aplicado na
Crescera?
Na Crescera, sempre fomos muito abertos à diversidade
e temos essa cultura colaborativa. Nunca tive a sensação de ser tratada
diferente, do ponto de gênero. Somos poucos sócios, e entre os seis executivos
que tocam a companhia há duas mulheres. Ser uma "key person" de fundo
ainda não é muito comum, mas tenho tentado puxar cada vez mais mulheres para
dentro da empresa. Ter um time diverso possibilita que outras mulheres tenham
referências e se motivem. Recentemente também nos tornamos signatários dos Princípios
do Empoderamento Feminino, uma iniciativa internacional liderada pela ONU que
busca promover a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres no local de
trabalho, mercado e comunidade. Encorajamos todas as nossas companhias
investidas a também tornarem-se signatárias logo no primeiro ano do
investimento, pois entendemos que a adoção de uma cultura de diversidade é o
mais efetivo veículo para entrega corporativa nas dimensões de igualdade de
gênero da agenda 2030 e das Metas de Desenvolvimento Sustentável das Nações
Unidas. Em paralelo, tenho um projeto de mentoria aplicada ao mercado
financeiro, para tentar reter mulheres na indústria, buscando identificar quais
são os principais desafios e como superá-los.
De que forma o investimento em
educação, que sempre foi um foco estratégico para a Crescera, ajuda na busca
por igualdade de gênero?
Temos uma grande preocupação com aspectos ESG, no
geral, em todos os setores de empresas que investimos, incluindo educação.
Saúde, educação, consumo, varejo, serviços e tecnologia têm o mesmo mote, por
exemplo. Do ponto de vista de equidade, buscamos trazer para todas as
investidas um aprimoramento dessa cultura de busca por equidade, em diversos
sentidos, e de exercício de um maior protagonismo da mulher no mercado de
trabalho. Desde 2008, a Crescera já fez mais de 70 investimentos. Se
conseguirmos colocar essa sementinha em todas elas, começamos a ter uma
abrangência maior do ponto de vista do impacto de equidade de gênero na força
de trabalho.
Por falar em Crescera, vocês
devem continuar apostando as fichas no setor de saúde, sobretudo após a fusão
da Domicile, investida da Crescera, e Homedical?
Começamos a focar no setor de saúde em 2014. Temos
hoje alguns investimentos nesse setor, entre eles um projeto de consolidação de
escolas de medicina e serviços para médicos. Começamos a olhar saúde via
educação médica, com a Afya Educacional, que listamos na Nasdaq. Desde então
olhamos saúde na parte de prestação de serviços. Temos um investimento em
consolidação de serviços médicos hospitalares, clínicas, atendimentos primário
e secundário em diversas cidades das regiões Sul e Sudeste, com foco fora das
grandes capitais. E temos feito desde então outras grandes consolidações na
área, pois acreditamos muito nesse setor. Tem muito a fazer, do ponto de vista
de melhorias de gestão, processos, acesso e serviços. Temos outro investimento
na Vita Participações para consolidação de bancos de sangue e serviços de
hemoterapia. E começamos no ano passado um novo projeto de consolidação de
serviços médicos a domicílio, com investimento na Domicile Home Care, focada no
interior de São Paulo, e fechamos em meados de fevereiro, uma parceria com a
Homedical, sediada em Curitiba. Acreditamos muito nessa tese, e estamos falando
com outras companhias. Continuaremos investindo em saúde, que é um setor traz
muita similaridade com a educação. Além disso, a pandemia trouxe certas
oportunidades, com o fortalecimento de segmentos como a telemedicina. O
contexto atual torna mais urgente e agiliza mudanças que vinham
acontecendo.
Para além de
educação e saúde, que outros setores ou segmentos a Crescera está olhando com
especial atenção?
Temos foco bastante grande em consumo e varejo, com
atenção especial a indústria de alimentos e ao varejo especializado, que é um
mercado que acreditamos muito, com as pessoas cada vez mais preocupadas com
alimentação saudável. E desde 2012 também temos investido em inovação e
tecnologia, sobretudo em VC, mas também em PE. Hoje somos acionistas da
Semantix, focada em data analytics e inteligência artificial,
e fizemos recentemente um investimento na Nelogica, líder de mercado no
segmento de sistemas aplicados ao mercado financeiro. Em resumo: educação,
saúde, consumo, varejo, tecnologia, inovação e serviços são focos importantes
para nós.